Renovação
As instituições saudáveis renovam-se naturalmente. Quando a renovação tem que ser forçada isso denota sintomas preocupantes de esclerose organizacional. Nos últimos dias, por boas ou más razões, muito se tem falado de renovação nas organizações políticas. À boleia de um novo ciclo eleitoral, temos assistido a purgas e transferências à direita do espetro politico. Já pela esquerda, e no caso do PS que conheço melhor, o processo de renovação deu-se na generalidade com debate, negociação e consentimento, quer dos que vão evoluindo para um papel de “senadores ou senadoras”, quer dos que se vão aproximando mais dos centros de decisão quotidiana.
Recordo-me quando em 1993 António Guterres venceu as eleições para Secretário-Geral do Partido Socialista e se fez rodear no seu secretariado de um conjunto de jovens onde me incluía, mas que contava também com nomes como Antonio José Seguro, António Costa (que tinha apoiado Jorge Sampaio e se juntou mais tarde), José Sócrates e Francisco Assis entre muito outros, a imprensa da altura, bem diferente da atual, e muitos comentadores avulsos, afirmaram que Guterres tinha uma equipa inexperiente e impreparada para levar o Partido a bom porto em plena era cavaquista.
Foi, no entanto, com essa equipa que o agora Secretário Geral das Nações Unidas ganhou eleições em 1995 e 1999 e muitos dos elementos que a constituíam vieram a revelar-se centrais em diversos momentos do futuro do Partido.
As recentes eleições internas no PS constituíram um exemplo de maturidade, unidade e pluralidade. É evidente que numa estrutura que por definição é uma organização de ideias, valores e propostas para transformar a sociedade através do exercício do poder, não há transições sem dor. Há sempre quem não saiba sair e quem não saiba entrar e isso gera tensões, mas é também na gestão de tensões que se aprende a exercer o poder e a reforçar a capacidade de decidir.
Está na moda diabolizar as organizações políticas, sejam elas mais ou menos democráticas e transparentes. No ano em que se comemoram cinquenta anos do 25 de Abril é preciso realçar uma verdade simples. Não há democracia sem partidos políticos e quanto melhor eles souberem oferecer à sociedade alternativas de qualidade, mais forte essa democracia será.
As dinâmicas de renovação, até pelo fluir natural do tempo, têm feito com que cada vez mais mulheres e homens nascidos depois de abril de 1974 assumam o exercício de funções políticas, económicas e sociais fundamentais na nossa sociedade. Quanto mais naturalmente isso acontecer, melhor será o legado da liberdade conquistada.