Deixar andar não é caminho
2024 é um ano de muitas eleições na Europa e no mundo. Algumas, previstas ou não, já ocorreram. Outras, também muito importantes, estão aprazadas para o segundo semestre.
Até agora, a consequência que salta à vista, sobretudo em contextos democráticos, tem sido a emergência de ondas de votos de protesto generalizado, que têm tido como impacto colateral provocarem mais cenários de mudança do que de continuidade nos governos ou instituições incumbentes.
As motivações de escolha dos eleitorados estão em transformação. Os resultados eleitorais têm cada vez menos a ver com os grandes indicadores económicos ou sociais que normalmente determinavam a sorte das lideranças, e passaram a emergir de escolhas mais emocionais, baseadas em perceções, estados de espírito e vagas de opinião.
Quando verificamos o novo magma sobre o qual se constroem as maiorias políticas e não gostamos do resultado, como me tem acontecido muitas vezes nos últimos tempos, com algumas saborosas exceções, somos tentados a culpar a desinformação, a manipulação, as redes sociais e a mediatização superficial, pelos progressos conseguidos pelas forças disruptivas e extremistas. Os ingredientes antes enunciados fazem parte da receita, mas atribuir-lhe toda a responsabilidade é a meu ver uma reação insuficiente e preguiçosa.
Temos que procurar compreender e agir sobre o que torna o terreno fértil para as agendas de protesto. As desigualdades crescentes e a perceção de injustiça relativa que atravessam as sociedades são o mais potente fator de ignição. O sentimento de abandono e de falta de empatia que os novos modelos de governação à distância propiciam, também têm a sua quota parte na culpa e a travagem ou estrangulamento dos elevadores sociais tem feito com que muitas famílias, que antes se predisponham a sustentar em nome do futuro dos filhos e dos netos os sistemas políticos tradicionais, hoje os considerem mornos e cristalizadores de elites.
A fragmentação e a polarização das sociedades democráticas vão conduzir a uma reconfiguração dos espectros políticos nas democracias liberais, nas democracias de perfil autoritário e mesmo nos regimes não democráticos. Essa reconfiguração já está a ser forçada pela destruição criativa dos espectros políticos tradicionais através da expressão da vontade dos eleitores.
A empatia com as pessoas e com os seus sentimentos mediada por valores fortes é a base possível de uma reconfiguração benigna. A alternativa é a crispação, a agressividade, a erosão ética e a liberdade em risco. Deixar andar não é caminho.