Alternativa ou alternância
A democracia vive do confronto de ideias, propostas e programas, da livre escolha dos representantes, do escrutínio e do debate ativo sobre as políticas e os seus resultados. Em democracias maduras, a alternância das soluções de governação é um processo natural, alicerçado em alternativas que os eleitores avaliam e determinam com o seu voto.
Nos últimos anos as democracias, mesmo as mais consolidadas, têm sido sujeitas a fortes pressões e a alguns retrocessos. A velocidade com que os contextos se alteram, a fluidez da informação e a manipulação das emoções geram imprevisibilidade, crispação e novos padrões de sobrevivência, quer para quem exerce o poder, quer para quem, sendo oposição, o ambiciona fazer.
Em contexto de turbulência é sempre avisado manter o essencial, como é a meu ver o princípio de que a existência de alternativas para uma potencial alternância é saudável para a democracia e para a mobilização da participação dos cidadãos na vida cívica e nos atos de escolha.
Não sei se o que está a acontecer em Portugal no alvor do processo eleitoral que culminará com as eleições legislativas de 10 de março é um sinal dos tempos ou uma particularidade do burgo, mas a verdade é que nos estamos a ver confrontados por um lado com um bloco de alternância incapaz de gerar uma narrativa ou um programa de alternativa e por outro lado com um bloco de governação que se tem renovado e gerado dentro de si uma alternativa consistente.
Sou um ator politico comprometido e por isso não reivindico nenhum estatuto de análise independente. Contudo, a minha costela académica desafia-me a olhar com curiosidade para os processos e a tentar identificar mutações relevantes.
É com esse espírito que volto à questão central desta reflexão. Há um facto cristalino. O Bloco alternante não tem sido capaz de gerar alternativa e o bloco incumbente tem dado sinais de o conseguir. Será isso inépcia da oposição ou inevitabilidade sistémica. Como capitalizarão isso os extremos se posicionam contra tudo e de quem não se espera que sejam a favor do quer que seja, para além das causas dispersas que lhe dão identidade?
As próximas eleições legislativas têm tudo para ser um caso de estudo, tal como já o foi a dinâmica que conduziu à inesperada maioria absoluta nas eleições de 2022. Desejo que para além de caso de estudo, sejam também um caso de sucesso para a estabilidade da nossa democracia e da nossa sociedade, no ano em que assinalamos 50 anos da revolução dos cravos e da reconquista da liberdade em Portugal.