Concentração ou Capilaridade (Na transição energética e digital)
Durante os últimos anos foi crescendo a consciência de que um bom alinhamento entre a transição energética e a transição digital, quer ao nível das comunidades, das empresas e das organizações, quer ao nível dos territórios e das sociedades, são condições fundamentais para o desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, os modelos de transição e as suas omissões e fragilidades, tornaram-se matriciais para a economia e para a sociedade, explicando em grande parte as dinâmicas geopolíticas, as novas conflitualidades e o agravar generalizado das desigualdades.
A aceleração tecnológica recente, quer no domínio da exploração, armazenamento e distribuição de energia, quer no domínio da captura e processamento de dados, sobretudo através de algoritmos de inteligência artificial, induziu a convergência e a interligação profunda das duas dinâmicas de transição. O mundo que percecionamos e em que interagimos e vivemos assenta agora e cada vez mais em energia a trabalhar sobre informação e informação a trabalhar sobre energia.
A voracidade com que os novos modelos de linguagem precisam de dados só é equivalente à voracidade com as máquinas que os geram precisam de energia. Nesta espiral, como em tantas outras na história da humanidade, os objetivos e os princípios vão ser determinantes para definir o impacto político, económico, social e ambiental da transformação.
Com a concentração dos centros de processamento de dados, as corporações líderes têm vindo a anunciar a intenção de retirar da morte lenta as grandes centrais nucleares. Se prosseguirem esse caminho certamente induzirão um novo impulso tecnológico a essa energia, que sendo limpa em termos de emissões, coloca grandes riscos em termos de circularidade e segurança.
No plano da evolução da sociedade e da sua organização, a escolha entre sistemas concentrados de processamento de dados e de energia e modelos distribuídos e capilares para o fazer, é uma opção estrutural profunda. A concentração tenderá a favorecer tentações de dominância de regras e narrativas, a alargar desigualdades entre as pessoas, comunidades e territórios, a impulsionar a exclusão e a favorecer a otimização dos processos em detrimento do controlo humano, da qualidade de vida e da sustentabilidade.
Já um modelo distribuído, baseado em redes de produção de energia a partir das várias fontes renováveis, interligada com redes interconectadas de processamento de dados tem muito maior potencial de inclusividade, interação com os territórios, com as pessoas, com as suas necessidades e expetativas e com um modelo participado e democrático de desenvolvimento económico e social saudável.
A concentração ou a capilaridade dos modelos de processamento de dados e de produção de energia serão melhores ou piores para as pessoas em função do propósito e dos valores com que forem desenvolvidos. A minha convicção é que os sistemas distribuídos são mais férteis para gerarem boas soluções.