Conluios
Tenho dedicado grande parte das minhas últimas crónicas a dissecar o terramoto político que ocorreu nas eleições legislativas de 10 de março, cujas réplicas ainda se vão fazendo sentir, e a partilhar com os leitores algumas reflexões sobre como reagir ao protesto nas urnas de mais de um milhão de cidadãos e a proteger a democracia representativa e plural de potenciais impactos negativos dessa onda. É nessa linha que prossigo neste texto, porque há matéria bem preocupante para analisar.
Se o protesto no voto teve uma dimensão de cidadania ativa e outra de fogueira populista atiçada pela manipulação e a desinformação, é fundamental ter a frieza para o conter, com respostas políticas consistentes e capazes de resolver descontentamentos legítimos e ao mesmo tempo, com ações transparentes para retirar pasto ao fogo posto.
No decurso da campanha eleitoral foi várias vezes referido que o programa da Aliança Democrática partia de um quadro macroeconómico inflacionado nas projeções de crescimento e de disponibilidade orçamental. PSD, CDS e PPM negaram sempre esta visão com que foram confrontados politica e tecnicamente. Com base naquilo que se confirma agora, foi um artifício de campanha, os partidos da coligação gizaram promessas que terão dado uma ajuda significativa na obtenção da vitória que lhes abriu as portas da governação. Têm agora a responsabilidade política, ética e moral de as cumprir.
Como é óbvio, se essa é uma obrigação maior de quem governa, quando as linhas programáticas e de afetação de recursos constam também dos programas dos Partidos que não integram a maioria de governo e em particular do Partido Socialista que foi mandatado nas urnas para liderar a oposição, estes têm igual responsabilidade em criar condições para que elas se cumpram.
Trabalhar para concretizar aquilo que foi prometido aos portugueses e foi sufragado por uma maioria deles, não é fazer conluios, designação que a coligação governamental tem usado para denominar essas ações. É contribuir para reforçar a credibilidade institucional e resgatar a democracia representativa tal como desenhada na nossa Constituição, das tentações de quem a deseja fazer implodir.
Governar é escolher e fazer acontecer. O novo governo tem sido ágil em escolher novos protagonistas, ocupando rapidamente os postos mais apetecíveis da administração, mas a esse movimento não tem correspondido igual rapidez na concretização das políticas com que se comprometeu. Denunciá-lo não é conluio. Fazer com que se apresse a resolver o que se comprometeu a resolver, também não.