De Pernas para o Ar
Um tempo de enorme incerteza política espalhou-se pelo mundo. Alguns regimes reagiram à turbulência fechando-se sobre si mesmos, mas só se conseguem manter de portas fechadas coartando a liberdade dos seus povos e esmagando o instinto de colaboração que constitui o impulso básico do progresso da humanidade.
A incerteza política é em larga medida insuflada pela perceção e pela consciência de que as desigualdades dentro das sociedades e entre elas se tornaram tóxicas. Nesse lodo de desigualdades, mostradas de forma hiperbólica todos os dias nos ecrãs que se tornaram uma nova paisagem do quotidiano, medra o desencanto, a frustração e a raiva, rapidamente arregimentados pelos populismos radicais para ganharem voz e poder desestabilizador, corroer a decência, a dignidade e a cidadania democrática, fazendo-as recuar em todos os indicadores e estudos de opinião e na maioria das eleições livres que anda resistem.
Com o cenário que procurei descrever de forma sintética, não é de estranhar que por onde ainda sobrevive a democracia pluralista, sejam os ditos partidos do sistema a pagar a fatura eleitoral, com abstenção acrescida dos seus habituais eleitores, sangria na militância e transferências de votos para as forças de protesto que prometem destruir os alicerces da convivência e do diálogo social e sobre eles construir ghettos de desinformação e vingança.
A inércia, a previsibilidade e a designada solidez programática já não constituem receitas válidas para os designados partidos tradicionais e para as grandes famílias políticas que estruturaram a democracia liberal.
No caso Português, em que a questão se coloca sobretudo aos dois blocos da alternativa tradicional, o PS e o PSD, desafiados pelo novo bloco populista, não vejo outro caminho do que a adoção de um banho de humildade, para serem capazes de partirem do conhecimento profundo das necessidades concretas das pessoas para depois despoletarem o seu processo de modernização no debate interno e na linha programática.
Muitos dirão que isso é a política de pernas para o ar. Talvez seja, mas é como tem que ser. As pessoas não aceitam mais receitas desenhadas nos gabinetes e incapazes de reduzir a fratura social que se vive no quotidiano. A política ideológica não perdeu a importância nem deixou de ser estruturante para a vida em sociedade, mas tem que vestir o fato macaco ou outro fato qualquer, para descer aos estaleiros da modernidade e mudar o presente e o futuro.