Demiurgo Burocrático
A sessão solene comemorativa do dia da Universidade de Évora de 2025, realizada no passado dia 1 de novembro na sala dos atos do Colégio do Espírito Santo, foi uma sessão muito rica, com excelentes momentos de exaltação da academia e das suas práticas ancestrais e intervenções plenas de atualidade e conteúdo.
Muitos momentos do evento mereceriam ser destacados nesta crónica. Por entre as estimulantes análises do passado, do presente e do futuro da Academia, do seu trabalho e do mundo que a rodeia, perpassaram sonhos, estratégias, compromissos e projetos mobilizadores.
Perpassou também a ameaça cada vez mais sentida daquilo que a Magnífica Reitora caraterizou como um “demiurgo burocrático” e que o Presidente do Presidente do Conselho Geral qualificou como “monstro” cerceador do propósito, ou seja, da teia de procedimentos cada vez mais arrevessada que vai tolhendo as instituições e o seu funcionamento e as empapa e diminui na sua vitalidade.
Já aqui escrevi muitas vezes e nunca é demais repetir que confundir complexidade com transparência é um erro básico. Quanto mais simples é um procedimento mais facilmente ele é verificável, adaptável e potencialmente eficaz.
Foi por isso de enorme relevância, a capacidade e coragem com que numa academia que também sofre do peso da burocracia imposta externamente e replicada ou mesmo aumentada internamente, o tema foi abordado, colocando-o no centro da mundividência necessária para analisar as dinâmicas da nossa sociedade em geral e a fluidez e o sucesso do seu sistema de investigação e ensino em particular.
A nova orgânica proposta pelo Governo para a gestão da ciência, da tecnologia e da inovação tem feito correr rios de tinta. Acredito que seja mais uma reforma bem-intencionada, mas temo que acabe por ser apenas mais uma obra de construção civil nos silos da repartição dos grandes e dos pequenos poderes e pouco contribua para a açaimar o “demiurgo burocrático” que com a sua “monstruosidade” vai inquinando a vida das instituições, a produtividade dos sistemas e a motivação das pessoas.
Sei que no atual governo a pasta da Reforma do Estado está entregue a alguém que conhece bem o mundo universitário e o mundo das fundações, das empresas e das instituições. A nomeação de um CTO (Chief Technology Officer – “Diretor de Tecnologia” e a criação da ARTE (Agência para a Reforma Tecnológica do Estado) são decisões promissoras. Mas ou o novo CTO (Manuel Dias) tem “arte” para enfrentar o “demiurgo” ou também será arrasado por ele. Oxalá que não.