Imortais
Camões cantou nos Lusíadas, epopeia grandiosa sobre a construção da identidade portuguesa à luz do Século XVI “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, ou seja, os que, na avaliação do grande poeta, pelos seus feitos e ações iam vazando para a história pátria e para a memória coletiva, as marcas da sua vida.
A morte é um destino inexorável para quem vive. A vida para além da morte é um tema de grande complexidade filosófica e religiosa, mas cada ser humano tem o dom de propagar a sua existência através das memórias que deixa inculcadas nas relações com os outros, com os territórios que habita e com cuja diversidade interage e também, quando esse é o caso, com a descendência que gera.
Todos os dias partem pessoas que serão imortais enquanto forem lembrados. A partida de Francisco na manhã de 21 de abril é um exemplo grandioso de um Homem que marcou o seu tempo e os tempos que hão de vir de uma forma global e que extravasou em muito os limites da Igreja em que pontificou. Para além da apreciação teológica, a luz dele emanada, de tão intensa, tornou-se imortal como fonte inspiradora da humanidade.
João Cravinho, que nos deixou em 16 de abril é um exemplo de alguém, que em vida, pela sua visão e pela obra deixada no planeamento e no desenvolvimento do território, se foi da “lei da morte libertando”.
Em particular quando presidi ao Proalentejo – Programa de Desenvolvimento Integrado do Alentejo, do qual emergiram projetos estruturantes de que o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva é o mais emblemático, pude disfrutar e aprender com a sua visão estratégica, coragem, sentido ético e determinação. Por isso, para mim e imagino que para muitos dos que com ele privaram ao longo da vida, Cravinho é imortal na inspiração para continuar a bater-me pelo desenvolvimento do Alentejo, agora com um foco especial na transformação e desenvolvimento do Concelho de Évora.
Uma das grandes causas de João Cravinho foi a Regionalização Administrativa do Continente. O Proalentejo foi uma antecipação a partir da desconcentração de competências do potencial desse modelo, mas não sobreviveu ao referendo realizado em novembro de 2008, onde só o Alentejo votou a favor. Mais tarde, o estudo exaustivo que produziu sobre a regionalização só muito parcialmente foi aplicado no terreno, sobretudo através da descentralização de competências para os Municípios.
Em níveis muitos diferentes, tanto Francisco como Cravinho deixaram memórias que são alicerces para o futuro. Dar-lhe continuidade deve ser uma motivação forte para quem os admirou e admira.