Medida de Fundo
Regressado a Évora e à sua Universidade, tenho tido o privilégio de ser convidado a participar em múltiplos debates e conferências em me é pedido que combine a experiência dos dez anos em que representei Portugal no Parlamento Europeu (PE), com o contacto agora cada vez mais profundo com a realidade da aplicação das políticas europeias.
A União Europeia, como tenho dito e escrito muitas vezes, é um potentado conceptual, mas com relativamente pouco dinheiro disponível em carteira. É difícil não nos deslumbrarmos com propostas, citando apenas as mais recentes, como o inspirador programa para a competitividade de Mário Draghi ou a ideia de a investigação ser a quinta liberdade da União, brilhantemente engendrada por Enrico Letta. O problema tem sido, de alguns anos a esta parte, a sua transposição para a prática.
Ao longo dos meus mandatos no PE, fiquei algumas vezes entusiasmado com propostas e proclamações, cobertas de Biliões de Euros encapsulados em regras burocráticas complexas que ajudavam a que o mesmo “talego” servisse para muitas linhas de ação. Pouco a pouco fui ficando mais cético.
Na resposta europeia à “Lei para a redução da Inflação” aplicada pelos Estados Unidos da América, juntei-me a um grande conjunto de Eurodeputados de vários grupos políticos que consideraram que mais do que proclamar mais um plano com uns biliões acoplados, na altura designado como “Plano Industrial para o Acordo Verde”, o fundamental era desburocratizar o acesso aos recursos disponíveis e com isso criar valor para a nossa indústria.
Agora que vou tendo mais possibilidade de contactar com proximidade os atores no terreno, mais me convenço de estávamos certos, embora as muitas emendas que aprovámos para reduzir a burocracia tardem a chegar às regras europeias e nacionais de avaliação e monitorização de candidaturas.
Haverá algum dia a coragem para definir regras claras, aprovar e financiar primeiro e fiscalizar depois, tirando todas as consequências dessa fiscalização? Vamos continuar a viver neste paradoxo em que a necessidade de executar se enreda nas malhas que não o permitem?
A Comissão Europeia tem insistido na criação de um fundo soberano que ajude a competitividade da indústria e da economia europeia. Se for um fundo com dinheiro fresco será sempre bem-vindo, mas na minha opinião, o fundamental é desburocratizar e simplificar o acesso aos recursos escassos que temos. Não é um fundo, mas é uma medida de fundo com grande impacto para o nosso futuro comum.