Não Podemos Ignorar
Pelas minhas funções como representante eleito deputado ao Parlamento Europeu, e pelas funções específicas que nele desempenho, em particular como relator permanente para a ajuda humanitária, os últimos tempos têm sido particularmente exigentes.
Tempos que não têm sido certamente menos desafiantes para todos os que me leem, e que são sistematicamente bombardeados com os episódios de horror que se vão passando num mundo cada vez mais fraturado e tolhido pelo ódio e pelas “guerras decididas por aqueles que não pensam lutar nelas”, para lembrar a feliz expressão de Bono, vocalista dos U2.
É impossível ignorar a avalanche de sofrimento que nos chega das quatro partidas do mundo, com variações de intensidade e foco decididas pelos critérios mediáticos. Gente morta e ferida como vingança ou em fogo cruzado, profissionais ou voluntários de saúde e de proteção civil que perecem quando tentam salvar os seus semelhantes. Rostos de medo, angústia e desalento que nos vão tomando e nos fazem sentir também parte, ainda que distante, das tragédias que desfilam perante os nossos olhos e que em qualquer momento podem tomar as nossas ruas, como acabou por acontecer, por exemplo, com os assassinatos a sangue frio ocorridos em França e na Bélgica.
É impossível ignorar, por muito fortes que sejam as palavras de condenação ou os esforços veementes para quebrar barreiras, impedir que as pessoas indefesas sejam usadas como armas ou escudos para a guerra e permitir que a ajuda humanitária possa chegar e mitigar o sofrimento nas zonas atingidas. Sermos ativos faz-nos sentir que estamos do lado certo da história, que na nossa oportunidade de fazer acontecer estamos a ajudar quem mais precisa, mas também que muito do que está a ocorrer é infelizmente já irreparável.
É impossível ignorar e, no entanto, só se nos conseguimos distanciar da onda permanente de notícias e imagens sem perder a empatia é que ganhamos espaço de manobra psicológica ou prática para sermos parte da solução.
Precisamos encontrar força e inspiração no muito que a humanidade é capaz de fazer de superlativo, nos cenários de catástrofe ou fora deles, para não cairmos na tentação da desistência ou simplesmente da apatia e na exaustão, para já não falar na fuga que os discursos radicais pejados de ódio acabam por significar, transformando-se em máscaras de combate virtual e achas na fogueira dos conflitos concretos.
Não podemos ignorar. Mas podemos manter viva a esperança, agindo pela positiva com os meios de que dispomos. Não podemos ignorar. Desistir ainda menos.