O Estado da Perceção
As migrações são um fenómeno que marca todos os períodos de evolução da humanidade. No início todos eramos nómadas. Como seres dotados da capacidade de cooperar, os modelos como nos fomos organizando em comunidade, milénio após milénio, século após século, ano após ano, com o tempo em aceleração crescente, foram-se multiplicando, mas a mobilidade continuou sempre a ser parte da nossa matriz existencial.
Como cidadão, mas também em muitas funções que desempenhei, lidei com o fenómeno das migrações e dos seus impactos. Sempre entendi as migrações como algo natural, que flui pendularmente com as dinâmicas económicas e sociais nos territórios e tem que ser gerido com humanismo, empatia, regulação, controlo e transparência.
Dia 17 de Julho a Assembleia da República realizou o habitual debate do Estado da Nação com que se encerra o ano parlamentar. No calor do debate foram tocados os temas que são chave para caracterizar o momento do País e agir, visando determinar de forma livre e democrática o nosso futuro coletivo.
Debateu-se a brutal crise no acesso à habitação, mais forte nos grandes centros urbanos, mas em generalização rápida a todo o território, a fragilidade crescente do Serviço Nacional de Saúde, as insuficiências do sistema educativo e o impacto na economia e na coesão social e territorial das novas obrigações de investimento em segurança e defesa assumidas pelo País no contexto da sua participação na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO no seu acrónimo em inglês). Esta enumeração não é exaustiva, mas sintetiza cinco pilares cuja solidez na abordagem é determinante para o Estado da Nação.
Numa abordagem saudável, todos estes temas deveriam ter sido debatidos integrando neles a variável migrações com base na racionalidade dos factos, mas não foi isso que aconteceu.
Pelo contrário a clareza do debate foi claramente prejudicada por uma inversão estratégica fomentada pela criação da perceção de que os problemas que temos não são resultado dos erros de governação, mas sim da existência de imigrantes que suprem as nossas necessidades em muitos sectores da vida em sociedade.
Com esta pirueta política, tornou-se difícil concluir do debate qual o verdadeiro Estado da Nação, mas em relação ao Estado da Perceção não ficaram dúvidas. Foi brutalmente manipulado e tornou mais difícil antever com bom senso, soluções para a habitação, a saúde, a educação, a segurança e outras áreas que marcam o dia a dia da vida de cada um de nós.