Parcerias para a paz, a cooperação e o desenvolvimento; um caminho com futuro
Embora sujeita a pressões externas crescentes e contaminada internamente por múltiplos e complexos fatores de entropia, a parceria europeia para a paz e a cooperação, nascida há quase setenta anos com a assinatura do Tratado de Roma, assegurou décadas de convivência pacífica entre os países signatários, e entre todos os que depois a vieram a integrar nos seus diversos formatos estatutários e continua a constituir uma inspiração para travar a fragmentação, a fratura geopolítica e o aprofundar das desigualdades no mundo em que vivemos e para que seja possível construir e aplicar novas respostas aos desafios globais com que a humanidade se confronta.
Ainda como Eurodeputado, funções que exerci entre julho de 2014 e julho de 2024 e na minha qualidade de Relator Permanente do Parlamento Europeu para a Ajuda Humanitária fui o autor da “Estratégia inovadora para a ajuda humanitária: as crises atuais e esquecidas em foco”, cuja elaboração foi muito participada por todas as famílias políticas e instituições europeias e também pelos representantes dos múltiplos atores que operam no setor, tendo merecido uma aprovação massiva no Plenário de Estrasburgo em novembro de 2023. Com o consenso gerado criaram-se também condições para um reforço dos recursos afetos à ajuda humanitária e à cooperação e desenvolvimento no quadro da revisão intercalar do Quadro de Financiamento Plurianual 2021/2027.
Sendo um passo importante, a renovação da estratégia e o sinal financeiro que destaquei, tornaram-se profundamente limitados num contexto de conflitualidade global que faz com que os recursos para a paz e a cooperação subam aritmeticamente enquanto as necessidades impostas pela guerra e pelos seus impactos nas comunidades trepem exponencialmente.
O Acordo de Samoa, oficialmente assinado em 15 de novembro de 2023 em Ápia, e que na sequência do Acordo de Cotonu, cria o novo quadro jurídico para a cooperação e o desenvolvimento entre a União Europeia (UE) e a Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (OEACP), transporta consigo uma visão ambiciosa de trabalho conjunto para uma parceria entre iguais com uma dimensão regional e parlamentar reforçadas.
Inspirado pela experiência da parceria europeia e dos vários ciclos das parcerias UE/OEACP entendo que o Acordo de Samoa, em cuja concretização participei ativamente como Presidente da Delegação do Parlamento Europeu para África, Caraíbas e Pacífico (DACP), contém em si mesmo três pilares que exemplificam aquilo que será fundamental para um novo caminho de cooperação capaz de fazer face aos novos desafios globais.
O primeiro pilar, construído no quadro de uma parceria entre iguais, é o princípio da cocriação, que reconhecendo diferentes níveis de desenvolvimento entre parceiros, não dá prioridade a soluções assistencialistas ou chave na mão, mas valoriza positivamente projetos conjuntos desenhados por medida e que permitam a criação direta de valor e de qualificações para todos os que neles participam, como base de uma cooperação não casuística, mas estrutural e sustentável.
O segundo pilar combina unidade com proximidade, ao adicionar ao acordo global três protocolos regionais centrados nas necessidades específicas da cooperação com África, com as Caraíbas e com o Pacífico.
Finalmente, o terceiro pilar reforça a dimensão parlamentar do acordo, dando mais voz aos representantes diretos dos povos e criando uma Assembleia Parlamentar Paritária Africa, Caraíbas e Pacífico – União Europeia (APP ACP/UE), e três Assembleias Parlamentares Regionais África /UE, Caraíbas /UE e Pacífico/UE, cuja instalação ocorreu em fevereiro de 2024 em Luanda. Tive a honra de copresidir, juntamente com a minha colega moçambicana Ana Rita Sithole à nova APP ACP/UE desde a sua instalação até ao final do meu mandato, tal como tinha copresidido à APP ACP/UE no quadro do acordo de Cotonu desde 2019.
Baseio-me neste artigo em duas experiências pessoais no quadro da ajuda humanitária e das parcerias para a paz, a cooperação e o desenvolvimento, para melhor poder alicerçar a minha convicção de que a base multilateral que estrutura o projeto europeu não deve hesitar perante o dilema geopolítico com que está confrontado.
Sem ceder nos valores que partilhamos, devemos tentar contaminar o mundo com a nossa perspetiva multilateral de relacionamento entre os países e os povos e não nos deixarmos capturar ou acantonar em blocos fraturantes que serão antecâmeras do fechamento, do discurso de ódio, da recusa da diversidade, dos nacionalismos exacerbados e do enfraquecimento da empatia.
Embora de forma progressiva e nem sempre com a profundidade e a visibilidade que se justificariam, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030 têm constituído as métricas do progresso também para os modelos de cooperação, designadamente para a parceria europeia e para as parcerias externas da União Europeia e para os processos de concretização, designadamente do programa Europa Global ( Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional) e dos projetos apoiados no contexto da estratégia “Global Gateway”.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis, revistos tendo em conta os impactos da aceleração tecnológica, poderão e deverão ser um mínimo denominador comum de sustentabilidade e sobrevivência no quadro de uma globalização ética da resposta aos grandes desafios globais ao nível do clima, da biodiversidade e do desenvolvimento humano.
A UE deve fazer deste caminho a vereda de oportunidade que dá sentido à opção por uma estratégia geopolítica pela paz e pela cooperação entre iguais, assegurando a sua relevância enquanto ator global e parceira credível e inspiradora de um futuro melhor.