Um Safanão na UE
Não há mulheres nem homens providenciais, mas há momentos em que uma palavra certa e corajosa pode mudar o mundo.
Depois da agonia da austeridade com que a União Europeia decidiu enfrentar a crise financeira gerada pela flacidez dos mercados financeiros americanos, numa atitude de que até o seu principal mentor, o já desaparecido Wolfgang Schauble, se retratou (Só faltam os intrépidos portugueses que naqueles tempos quiseram ir alem da Troika esvaindo o País de recursos e qualificações), foi o então governador do Banco Central Europeu (BCE), o italiano Mário Draghi, que três dias após ter tomado posse afirmou “O BCE está preparado para fazer o que for preciso para preservar o Euro … e acreditem em mim, será suficiente” e libertou a Zona Euro do pesadelo da crise monetária e financeira.
Em 9 de Setembro Draghi apresentou o seu relatório sobre a competitividade europeia. O relatório, na elaboração do qual participei em várias audições preparatórias, é incisivo e só peca por tardio. Recebido com aplauso, importante é agora concretizá-lo e dar um safanão capaz de acordar a UE da letargia em que repousa.
A UE só será uma potência geopolítica se for competitiva. Para ser competitiva dificilmente será, por falta de consenso político, a federação política que eu desejaria que fosse, mas tem que ser pelo menos uma federação económica e aumentar significativamente o investimento em investigação e inovação industrial, implementar modelos regulatórios simples e robustos, integrar melhor o mercado interno e enfrentar os riscos sistémicos com respostas também sistémicas para competir nas cadeias de valor chave na economia moderna.
Precisa criar as condições para consolidar uma indústria de segurança e defesa própria e criar vantagens comparativas que garantam a sustentabilidade das cadeias de valor da transição energética e digital, assumindo de uma vez por todas que o protecionismo é sinónimo de “procrastinação” como bem define Draghi na sua análise.
A capacidade de decisão é a chave existencial do projeto europeu. A “agonia lenta” que Draghi profetiza em caso de paralisia só se impede com visão e decisão. Úrsula Von der Leyen começou o seu anterior mandato afirmando que queria uma Europa Geopolítica. No início do segundo mandato sabe que as proclamações já não chegam.
Draghi traçou linhas claras para recuperar a relevância geopolítica da UE no plano económico e consequentemente no plano político. Diz-se que a água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte, mas a palavra de Draghi merece de novo ser seguida.