E tudo muda! (Ou talvez não)
Começo esta crónica relatando duas vivencias recentes, que valem como ilustração da ideia de impermanência que marca cada vez mais as nossas vidas. Dia 7 de outubro estava uma bela tarde de verão serôdio na costa vicentina alentejana. Ao meio da tarde fui até ao areal, pousei a toalha e uma pequena mochila com jornais, revistas e outros objetos, verifiquei as noticias no telemóvel, e estando tudo calmo e sobretudo focado nos eventos desportivos, deliciei-me com um prolongado banho de mar.
Quando regressei, reparei que o telemóvel estava cheio de notificações. Depressa percebi porquê. Um bárbaro ato terrorista praticado pelo Hamas sobre cidadãos indefesos estava em curso em Israel. Percebi também que a partir daquele nefasto evento, acontecesse o que acontecesse, e o que aconteceu foi uma continuada catástrofe humanitária e um conflito explosivo, o futuro do mundo tal como o imaginava antes do mergulho tinha mudado e tinha mudado para sempre.
Um mês depois, dia 7 de novembro, comecei o dia em Bruxelas com uma reunião restrita entre o Parlamento e a Comissão Europeia sobre a situação política, de segurança e humanitária na região africana do Sahel. Era uma reunião importante e para me concentrar tirei o som ao telemóvel e “esqueci-me” dele por um pouco mais de uma hora. Quando voltei a olhar para o ecrã estava pejado de notificações sobre uma operação de grande envergadura da policia portuguesa.
Fui lendo e percebendo que estávamos perante algo que teria um forte impacto na estabilidade das instituições. Quando finalmente li o comunicado na Procuradoria Geral da Republica e em particular o infausto parágrafo sobre as suspeitas sobre o Primeiro-ministro, percebi que o futuro da governação em Portugal, tal como o imaginava antes da reunião sobre o Sahel, tinha mudado e tinha mudado para sempre.
Quando vivemos momentos como os que descrevi sentimos como tudo é frágil e inconstante e reformatamos o olhar, respiramos e reagimos com instinto de sobrevivência e de empatia, porque a vida, enquanto for vida, tem que continuar.
Cada um de nós passa muitas vezes à escala do seu quotidiano por momentos em que num repente o cenário muda, e nos obriga a reagir escorados nos nossos valores e experiências de vida. Quando a adaptação nos torna mais fortes e preparados, dir-se-á que são os trilhos da vida, uns mais escarpados que outros.
Mas quando como humanidade ou como sociedade vamos repetindo cenários de desolação humana ou de erosão institucional, apetece perguntar se quanto tudo muda, afinal muda alguma coisa?