Milei
Num momento em que Portugal mergulha de novo numa campanha eleitoral com umas eleições legislativas que pela sua data são também uma celebração do cinquentenário da democracia, o fenómeno populista vai continuando a minar as instituições e a corroer as sociedades livres um pouco por todo o mundo.
Depois dos defensores de democracias sólidas e representativas, em que me incluo, terem celebrado as derrotas nas urnas de populistas extremos como Donald Trump ou Jair Bolsonaro, eis que a Argentina, terra de magia e de magos no Futebol e em tantas outras artes e saberes, decidiu também através do voto alcandorar à presidência um personagem esdrúxulo gerado nas redes de conspiração, com um discurso messiânico, que se propõe, entre muitas outras medidas, fechar o banco central e usar a moeda americana.
A consternação que aqui partilho é certamente partilhada por muita gente, mas dela nada resultará se não compreendermos as causas e as tentarmos combater. Como muitos comentadores realçaram, face à situação económica vivida hoje pela Argentina, os eleitores foram colocados perante a escolha entre a desesperança ou o abismo (e preferiram o abismo).
Duas questões se colocam desde logo. Como foi possível que a sociedade argentina se tivesse deixado fraturar de tal forma, que na segunda volta das eleições, os eleitores apenas pudessem ter como escolha o velho “peronismo desgastado” ou o velhíssimo “anarquismo alucinado”? E tendo sido possível, como é que os eleitores, com um peso forte dos jovens, preferiram o salto no escuro num País cujos indicadores de desastre económico e social são assombrosos.
A minha perspetiva é que tudo só é explicável à luz dos novos fenómenos da desinformação massiva e da criação de realidades virtuais através das redes e dos grupos organizados na nuvem (ou nas nuvens). Nesses círculos o abismo é um espaço de construção de todas as utopias e distopias. Um contexto onde todas as ficções são possíveis.
O que antes escrevi explica também o carrossel dos populismos. Quando não capturam a democracia, raramente subsistem mais do que um mandato, mas rapidamente se reinventam.
Milei tem uma fraca representação no Congresso e no Senado Argentino e os danos das suas politicas poderão ser mitigados. No entanto, enquanto a democracia não se reinventar ela própria para os novos tempos, passará o tempo a jogar à defesa. Isso tem que ser mudado. Também em Portugal, com a urgência necessária para sobreviver aos pleitos que se aproximam, no tempo histórico do cinquentenário de abril.