Vacinas, antivírus e democracia
O discurso populista de extrema direita irrompeu com força redobrada no lançamento da pré-campanha em Portugal, seguindo as pisadas de arautos espalhados por todo o mundo e que paulatinamente têm vindo a conseguir atrair os povos para narrativas de mentira e de escolha negativa, baseadas no princípio de que os que governam em representação democrática são o eixo do mal e os culpados de tudo quanto de errado acontece na sociedade, bastando o voto contra eles para que o leite e o mel voltem a brotar.
A experiência recente tem mostrado que a chegada ao poder dalguns destes movimentos tem funcionado como uma vacina. Quando não matam a diversidade e a pluralidade, não repetem mandatos e tendem a perder as eleições seguintes, porque os programas falsos com que são eleitos mostram a sua vacuidade ou descontextualização.
No entanto, tal como as vacinas têm prazo de validade, os falhanços das governações podem não perdurar na memória dos povos, como se pode ver nalgumas das previsões de potencial reincidência extremista numa democracia tão estruturada como a americana.
A narrativa baseada em mentiras é uma ficção, mas o poder de contar uma história que, mesmo que falsa, as pessoas gostam de ouvir, não pode nunca ser menosprezado. Não basta dizer que a narrativa extremista é falsa, porque a sua falsidade é evidente e ainda assim ela contamina. É preciso ter a capacidade de comunicar narrativas alternativas baseadas no que é verdade, que façam sentido e se alinhem com as perceções e os anseios da maioria da população.
Denunciar a mentira não chega. É preciso contrapor a cada proposta ficcionada uma medida concreta e credível que responda às necessidades dos eleitores e é preciso também ter a humildade de reconhecer os erros cometidos e ouvir as pessoas para construir soluções de proximidade em que os destinatários se sintam incluídos, desde o seu desenho até à sua concretização e aplicação.
A velocidade de propagação das ficções extremistas e antidemocráticas é em muito facilitada pela erosão da qualidade da democracia representativa e das suas dificuldades em adaptar-se à velocidade e ao contexto com que é preciso ouvir, decidir e fazer acontecer em tempos de grande aceleração, turbulência e concorrência mediática.
Cada má história, construída sobre medos exacerbados, tem que ser combatida com uma boa história, alicerçada em boas praticas e factos. A pedagogia da boa prática democrática não pode escassear, porque é o único antivírus eficaz contra as ficções da extrema direita populista.