A Digitalização do Natal
Aproxima-se mais um Natal em que se celebra no mundo cristão o nascimento de Jesus e se recria a fraternidade e o intercâmbio de afetos e de lembranças nas famílias, nos grupos de amigos e nas diferentes instituições e comunidades. O mundo está em mudança por natureza e o Natal e a forma como se assinala e celebra não têm ficado incólume às transformações.
Uma das dimensões mais analisadas tem sido a progressiva sobreposição da dimensão comercial da quadra, quando comparada com a dimensão espiritual ou fraternal. Numa visão ponderada, é positiva uma coexistência saudável da dimensão imaterial, traduzida por cada um de acordo com aquilo em que acredita e deseja, com uma parte mais lúdica e material que contribui para animar o comércio e a economia, traz oxigénio ao espaço público e incentiva o exercício de comportamentos de carater solidário que contribuem para manter acesa a chama da empatia nas nossas sociedades.
Outro eixo de transformação tem vindo a ganhar cada vez mais importância. Nos últimos anos têm chegado cada vez menos postais de Natal à minha caixa de correio físico. Já às caixas de correio virtuais têm chegado avalanches cada vez maiores. Embora seja um acérrimo defensor da lembrança entregue em mãos e se possível aberta olhos nos olhos, as dinâmicas da vida moderna pressionam-me cada vez mais para as soluções de compra em loja ou online, mas com entrega incluída na casa do destinatário.
As plataformas que estão a capturar as dinâmicas económicas, sociais, culturais e políticas, estão também a normalizar e a desenvolver os seus algoritmos e modelos de linguagem para garantirem a quem as pode utilizar um Natal previsível, onde não falte nada e se note cada vez menos a ausência daquilo que nenhuma plataforma está ainda à altura de fornecer. O sentimento, o afeto, o amor, a amizade, a cumplicidade, a fragilidade e tenacidade de se ser um humano.
A digitalização acelerada e progressiva de muitos dos processos e procedimentos do nosso dia a dia é uma dinâmica imparável. Não vale a pena, nem seria benéfico parar a onda com castelos de areia. Em contraponto, tem que ser cada um de nós a procurar separar o trigo do joio para não viver o seu Natal imerso numa aplicação digital e usar antes essas aplicações, não como alternativas ao espírito do Natal que cada um sente e reconhece, mas como potenciadoras da sua vivência plena.
Feliz Natal a todos os que semana após semana me leem neste espaço há mais de 33 anos. Feliz Natal também aos que tornam possível que o Diário do Sul continue a ser um espaço de encontro e de referência na nossa terra.