A Roda do Fogo
Os incêndios florestais voltam ciclicamente ao nosso País, e em cada regresso revelam a insuficiência do que se prometeu fazer e do que se fez de facto, depois de carpir as lágrimas do ciclo anterior.
Entre 2000 e 2002 fui Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, com as competências delegadas da Proteção Civil. Iniciámos nesse período uma reforma estrutural da Proteção e Socorro em Portugal, que ainda hoje é reconhecida e continua a ter impactos nos modelos de organização.
No entanto, os números mostram que os reforços do sistema de prevenção e combate nos diferentes ciclos não têm sido suficientes para fazer face à agressividade das alterações climáticas, da desertificação dos territórios e dos comportamentos incendiários por interesse económico e sobretudo por distúrbio mental.
Por respeito aos que me sucederam e pela consideração que me merecem os que ano após ano tentam mitigar o flagelo, evito comentar publicamente o tema, embora mantenha uma rede forte de amizade e de contactos com os Bombeiros e com os múltiplos agentes de Proteção Civil em Portugal e na Europa, tendo sido relator no Parlamento Europeu do mecanismo de reposta solidária em vigor.
Quebro este princípio nesta crónica para partilhar duas ideias. Numa entrevista de largo espectro que concedi em 31 de julho ao renovado Site Sapo 24 Noticias, foi-me perguntado o que destacava da minha experiência que pudesse ser útil agora. Poderia escolher muitas coisas, mas decidi sublinhar o pacto voluntário que desenhámos com a comunicação social para transmissão mínima de imagens em direto dos fogos. Acreditávamos que isso reduziria fortemente os comportamentos pirómanos e a verdade é que os dados indiciam que reduziu mesmo.
Hoje, com o fogo a ser uma espécie de espetáculo de verão das nossas televisões, não sei se um pacto, ainda que informal e voluntário, de não transmissão de fogos em direto seria possível. Mas fica o registo de que já foi feito e com resultados prometedores.
A segunda ideia decorre das evoluções recentes no compromisso de Portugal com o aumento do seu investimento em defesa e segurança, até atingir 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2035. Grande parte desse investimento será de duplo impacto, ou seja, melhorará as capacidades de defesa militar, mas também robustecerá a ciência, a inovação e a sustentabilidade do território. Neste último domínio, o reforço do investimento na proteção civil e na prevenção e combate aos fogos florestais é uma prioridade óbvia, que não devemos desperdiçar.