Apagão
Apagão é a palavra do ano 2025 escolhida pela maioria dos portugueses (41,5%) segundo a votação promovida e divulgada anualmente pela Porto Editora. No Top 3 ficaram ainda as palavras imigração e flotilha. De acordo com as justificações recolhidas para a escolha, ela foi motivada pelo “impacto que a falha no fornecimento elétrico teve na vida das pessoas, ao deixá-las sem acesso a transportes, comunicações e serviços básicos”.
Não participei da votação, mas face à 10 palavras finalistas, se tivesse que escolher, também me inclinaria para o “apagão” embora com uma abrangência de significado mais vasta.
É verdade que o apagão elétrico por si só vai ficar na nossa memória coletiva por muito tempo, por ter demonstrado a vulnerabilidade de um sistema vital, a impotência de comunicação das autoridades e a fragilidade da reação das empresas responsáveis pela monitorização e estabilidade do sistema. Foi também mais um espelho dos comportamentos emocionais das multidões, com os sintomas de salve-se quem puder que o vazio de informação fiável provocou nas primeiras horas do fenómeno.
Para mim, no entanto, apagão é também a palavra do ano por outras razões. 2025 foi o ano em que se foram esvaindo ainda mais as redes de cooperação global, a visão multilateral do progresso da humanidade, a compreensão entre os povos, as lideranças inspiradoras e as estratégias comuns para fazer face aos grandes desafios, como o aquecimento global, a imigração forçada ou o agravamento das desigualdades.
No meio do apagão geral da política internacional baseada em partilha de objetivos, em particular dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, foi ainda mais notória a quebra de influência da União Europeia como mediadora relevante e inspiradora de valores determinantes como a paz, a liberdade e a democracia.
Defendo a afirmação da União Europeia como a potência multilateral por natureza, capaz de manter abertos os canais de diálogo entre a grande potência dominante das últimas décadas, os Estados Unidos da América, e as potências emergentes. Nesse cenário, destaco o papel importante que Portugal pode e deve desempenhar na conexão entre o Atlântico Sul e o Atlântico Norte e nas ligações políticas, económicas e culturais entre o espaço atlântico e o espaço mediterrânico.
Depois do apagão elétrico fez-se luz. O apagão político da cooperação internacional é mais difícil de reverter, mas enquanto houver quem a defenda com tenacidade, mesmo contra a corrente, haverá esperança.