Coesão e Propósito
Esta é a última crónica que escrevo estando no exercício do mandato que me foi outorgado em 2014 e renovado em 2019 para ser Deputado no Parlamento Europeu. À data da sua publicação já terei provavelmente retomado a minha atividade académica na Universidade de Évora.
Sem contaminar procedimentos ou regras, procurei sempre levar para a política o que fui aprendendo na academia e devolver à academia a experiência que vou adquirindo no exercício dos mandatos políticos.
No Parlamento Europeu, no decurso de uma década profundamente desafiante para o mundo e para a União Europeia, pude participar ativamente na construção dos alicerces e no desenho da década digital, como relator ou relator sombra em dossiers legislativos no âmbito da interoperabilidade, da portabilidade, da conectividade, da regulamentação dos mercados digitais ou da criação do espaço europeu de dados em saúde, tendo também representado a Aliança dos Socialistas e Democratas na negociação do Programa Digital Europeu e do Programa Europeu do Espaço e dos programas de Valorização da Indústria Europeia de Defesa.
O pacto ecológico europeu, a transição energética e a descarbonização foram também áreas em trabalhei com intensidade, sendo relator ou relator sombra em dossiers sobre a economia circular, a governação da União da Energia ou o mecanismo de ajustamento carbónico transfronteiriço. Com o foco nas pessoas e na resolução dos seus problemas, fui progressivamente desenvolvendo uma dimensão geopolítica de intervenção, tendo presidido à Delegação do Parlamento Europeu para África, Caraíbas e Pacífico e sido relator permanente do Parlamento Europeu para a ajuda humanitária.
Ter visto chegar a bom porto o Acordo de Samoa, com uma dimensão parlamentar reforçada em relação ao anterior Acordo de Cotonu, envolvendo mais de 100 países de 4 Continentes numa parceria multilateral para a paz e a cooperação entre iguais e ter visto aprovada por maioria massiva a “Estratégia inovadora para a ajuda humanitária: as crises atuais e esquecidas em foco” que elaborei e negociei com grande participação dos diferentes atores no terreno, foram momentos marcantes e um legado que me orgulha para o ciclo que agora se inicia.
Termino esta crónica em jeito de balanço e perspetiva, sublinhando duas convicções fortes sobre o que em meu entender fará a diferença no futuro do projeto europeu.
Em primeiro lugar a coesão interna da União vai depender da sua capacidade de ser relevante enquanto parceria multilateral, e não se deixar esmagar entre blocos nem capturar por nenhum deles. Em segundo lugar, a extraordinária máquina de negociação e de decisão democrática da União não se pode esgotar no processo e precisa avivar todos os dias o propósito que lhe dá sentido. A paz, a liberdade e o desenvolvimento sustentável, humano e humanista, que são as suas raízes de diferenciação e amarração no meio da tempestade global.