Globalização Existencial
O mundo vive um paradoxo insano. Por um lado, as forças protecionistas e nacionalistas ganham terreno e muitos temem que em 2024, ano em que se realizarão eleições em países que representam mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) gerado no planeta e que mobilizarão mais de 2 biliões de pessoas, esse fenómeno se agrave.
Por outro lado, é cada vez mais evidente que as grandes questões que se colocam à sobrevivência da humanidade, designadamente o combate às alterações climáticas, às catástrofes naturais que delas decorrem, à escassez alimentar e de água e à contaminação das redes de informação por realidades e algoritmos, manipuladas e manipuladores, só podem ser resolvidas se houver um compromisso ético global nesse sentido.
Com a queda do muro de Berlim e o fim da guerra fria muitos sonharam com um tempo de diálogo, paz e abertura global à circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, regulado por valores partilhados no quadro da Organização das Nações Unidas e das organizações multilaterais. Esse cenário desmoronou-se antes de se ter tornado real. Os tempos que correm são violentos, crispados, radicalizados e polarizados.
A fragmentação de redes e de poderes geram um cenário de complexidade sistémica próxima do caos que põe em causa o nosso futuro comum. É tempo de agir e de proclamar sem exagero que essa ação ou é agora ou pode ser nunca!
As minhas condições de presidente da Delegação do Parlamento Europeu para África, Caraíbas e Pacífico e de copresidente da Assembleia Parlamentar Paritária ACP/UE, renovadas recentemente pelos meus pares no quadro do novo Acordo de Samoa, e de relator permanente do Parlamento Europeu para a Ajuda Humanitária dão-me uma perspetiva de proximidade sobre as múltiplas dinâmicas geopolíticas que se desenvolvem e entrelaçam, e abrem a fresta de esperança que partilho com os leitores nesta crónica, que homenageia também o 17.º aniversário da FRONTLINE.
Os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, aprovados em 2015 pelas Nações Unidas como parte da designada Agenda 2023 para o Desenvolvimento Sustentável, constituem a meu ver a carta possível para uma convergência global em torno de valores mínimos de dignidade, sobrevivência, convivência e desenvolvimento humano.
Para que isso aconteça, essa carta tem que se entranhar na ação quotidiana, não apenas das Nações Unidas e das Organizações Multilaterais, mas também na ação dos governos nacionais, regionais e locais, das instituições públicas, das empresas, das organizações sociais, das comunidades e de cada indivíduo em concreto.
Tenho noção que muitos entenderão como ingénua e frágil esta proposta de globalização pela ética partilhada, ou, se preferirem, pela salvaguarda comum da extinção coletiva sentida pelas pessoas, mas também pelas redes políticas, económicas e sociais. Não vislumbro outra rota para travar o abismo. Temos bons exemplos. Precisamos que se tornem virais, globais, existenciais.