Nebuloso Mundo Novo
Começo o novo ano abordando um tema atual, mas já entranhado na nossa realidade quotidiana. Seguindo com muito interesse e trabalhando diariamente na regulação e na garantia dos direitos no novo mundo tecnológico, mas estando longe de ser um nativo digital, continuo a sentir-me “tocado” quando vejo cada vez mais, em restaurantes ou noutros espaços públicos, grupos reunidos em torno de uma mesa, cada um com o seu telemóvel e enfiado nele, e em que as únicas interações se baseiam naquilo que cada um vai extraindo da janela que tem para a nuvem de dados que o suga.
Muito recentemente presenciei um quadro da vida real que me motivou a escrever este texto. Estando em Lisboa a trabalhar usando a plataforma do Parlamento Europeu, fiz uma pausa para ver gente, sentir a rua e almoçar num restaurante próximo, rápido e com boa relação qualidade preço.
Quis o acaso que numa mesa frontal ao lugar em que fiquei se tivessem sentado um senhor ainda jovem, entre os trinta e os quarenta anos, ladeado de uma criança que aparentava menos de 10 anos. Estando sozinho e não querendo cair na tentação de mergulhar eu mesmo no meu telemóvel, não resisti a observar.
Os meus vizinhos de refeição sentaram-se sem trocar palavra e logo o mais jovem sacou de um computador e de uns volumosos auscultadores e começou a dedilhar freneticamente. As ementas eram manuais e por isso o juvenil, quando o empregado de mesa as apresentava, olhava de soslaio e apontava para uma das linhas. Nem uma palavra lhe ouvi. Nem eu nem quem o acompanhava, provavelmente o Pai, mas disso não tenho certeza.
Todos nós, quando chegamos à idade a que eu já cheguei, somos permeáveis a alguma nostalgia. A recordar o “nosso tempo” em que um almoço ou um jantar era um momento de partilha de histórias e vivências, sobre o trabalho ou sobre a escola, sobre os amigos, os desportos, os sonhos, as desilusões e as novidades que traspassavam a comunidade.
Moderei o meu desconforto, pensando que talvez a criança estivesse a concluir à pressa um trabalho para a escola, mas mesmo assim, o facto de não interagir com quem o rodeava, nem mesmo com quem com ele almoçava, despertou-me uma enorme vontade de me “meter” com o dueto.
Paguei e pensei fazê-lo ao sair da mesa, desejando boa continuação de almoço ou algo parecido, mas por coincidência quando o ia fazer o empregado chegou com a carta das sobremesas. O rapaz apontou de novo. O senhor balbuciou algo inaudível para mim.
Não tive outro caminho senão sair, deixando o cavalheiro nas nuvens e o jovem na nuvem (Tradução da expressão inglesa “Cloud” que no plano digital é uma metáfora para a rede de global de servidores em que se apoia a internet). Nebuloso mundo novo.