Política empacotada
Depois de um arranque aos solavancos e muito pouco convincente, o Governo adotou uma estratégia para fugir sempre que constitucionalmente possível do crivo da Assembleia da República, onde, traumatizado pelos episódios da eleição rocambolesca de Aguiar Branco, desistiu de ensaiar consensos. Em contrapartida, aproveitando os poderes de ação direta, tem-se dedicado a lançar pacotes de intenções e medidas em domínios tão importantes como as grandes infraestruturas, a saúde, a fiscalidade ou a gestão das migrações.
É com esta estratégia de empacotamento político que o Governo procura marcar a agenda, transmitir uma dinâmica de ação e gerir um timing eleitoral que depois das eleições europeias realizadas a 9 de junho, rapidamente desembocará na discussão do Orçamento do Estado para 2025.
Os pacotes apresentados têm tido o condão de abrir frentes de debate na sociedade portuguesa, que se bem aproveitados podem ajudar a revigorar a participação cívica e o envolvimento das pessoas como protagonistas fundamentais no palco quotidiano do exercício político.
Se ficarem pelo espetáculo mediático do seu lançamento, os pacotes do Governo não passarão de propaganda. Já se se suscitarem o debate aberto e a participação alargada na sua afinação e concretização, podem ganhar o cunho transformador com que foram anunciados. Transformadores no bom ou no mau sentido? Isso dependerá das escolhas e das maiorias democráticas que se forem constituindo.
No contexto da campanha eleitoral recente, assistimos a um interessante simulacro de debate entre forças políticas e também as forças económicas e sociais, em torno do conteúdo dos pacotes apresentados, numa demonstração clara de que as politicas nacionais também são europeias e vice-versa. Um debate que fruto do tempo eleitoral, não teve a profundidade devida, mas que pode e deve, se quem de direito assim o entender, ser agora retomado com mais serenidade e foco.
Face à complexidade da situação que vivemos, a politica empacotada tem que sair do embrulho e ser debatida e concretizada com valores, convicções e capacidade de execução.
Um bom exemplo do que antes afirmei é o designado pacote de gestão das migrações. Num terreno profundamente minado pela desinformação, pelos preconceitos e pela fratura entre duas visões extremas – “para o meu País vem quem quer, versus, para o meu País vem quem eu quero”, só com um debate informado se podem desempacotar as medidas, colmatar as omissões e corrigir os erros, servindo o interesse geral e o bem comum.