Artigos de Opinião

Neste espaço poderá encontrar os artigos que ao longo dos últimos anos foram sendo escritos por Carlos Zorrinho e publicados em diversos meios de comunicação social.

Uma ajuda humanitária inovadora adaptada aos novos desafios: crises atuais e esquecidas

Carlos Zorrinho e Mónica Silvana González*

Temos de inovar e encontrar novas formas de responder às crescentes necessidades humanitárias, respeitando uma das características distintivas da UE: a sua solidariedade. A invasão russa da Ucrânia, a crise no Sahel e a emergência humanitária em Gaza recordam-nos que a UE tem de honrar os seus compromissos enquanto um dos maiores atores humanitários do mundo

É urgente ajudar os 360 milhões de pessoas em todo o mundo que necessitam de assistência humanitária.

Com o surgimento de novos conflitos e o ressurgimento de outros ainda não resolvidos, as crises multiplicam-se em todo o mundo. Acentuados pelas consequências das alterações climáticas, os seus efeitos são mais duradouros do que nunca, comprometendo a estabilidade política futura e o desenvolvimento sustentável de muitos países e regiões. A invasão russa da Ucrânia, a crise no Sahel e a emergência humanitária em Gaza recordam-nos que a UE tem de honrar os seus compromissos enquanto um dos maiores atores humanitários do mundo, seguindo de perto o “Quadro de Sendai” e os acordos do “Grande Pacto”.

Como um dos seus valores fundadores (preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), a solidariedade e o respeito pela dignidade humana devem orientar a sua ação externa no sentido de reforçar a sua posição na cena internacional, envolver mais doadores, assegurar o respeito pelo Direito Internacional Humanitário (DIH) e seguir o imperativo moral de proteger os mais vulneráveis nas crises atuais e nas chamadas crises esquecidas.

O relatório “Como construir uma estratégia inovadora de ajuda humanitária: destaque para as crises atuais e esquecidas”, que será votado na próxima sessão plenária, é um passo na direção certa. No âmbito da atual revisão do Quadro Financeiro Plurianual, temos de inovar e encontrar novas formas de responder às crescentes necessidades humanitárias, respeitando uma das características distintivas da UE: a sua solidariedade.

UMA ABORDAGEM HUMANITÁRIA CENTRADA NAS PESSOAS

Quando a crise se instala, as mulheres e as raparigas são afetadas de forma desproporcionada. Muitas vezes, perdem o acesso aos cuidados de saúde e à educação e correm maiores riscos de violência baseada no género, de tráfico e de exploração sexual. Para as crianças, ficarem presas numa crise humanitária, pode ter efeitos irreversíveis no seu bem-estar futuro.

Infelizmente, em contextos humanitários, ter uma deficiência significa muitas vezes ser deixado para trás. O direito humanitário tem sido insuficiente para proteger eficazmente as pessoas com deficiência em contextos humanitários.

No relatório, sublinhamos a extrema importância de garantir o cumprimento do DIH a nível internacional. De igual modo, o relatório insiste na importância de uma ação humanitária sensível às questões de género, apelando a que se acelere a plena aplicação do Plano de Ação da UE em matéria de igualdade de género e se dê prioridade ao acesso à saúde sexual e reprodutiva na resposta humanitária imediata. Por último, o trabalho realizado pela Comissão Europeua relativamente à inclusão de pessoas com deficiência em contextos humanitários tem de ser melhorado. Apelamos ao reforço da Estratégia para os Direitos das Pessoas com Deficiência 2021-2030.

CRIAR UM AMBIENTE PROPÍCIO

Ao lado de civis inocentes, os trabalhadores humanitários em zonas de conflito são, frequentemente, alvo de ataques não provocados. Só em 2022, 444 trabalhadores humanitários foram vítimas de ataques em serviço, incluindo 116 mortos, 143 feridos e 33 raptados. Recentemente, lamentamos a morte dos 101 trabalhadores da UNRWA em Gaza.

As mulheres que trabalham na ajuda humanitária enfrentam perigos específicos, sendo mais suscetíveis de serem raptadas ou de sofrerem agressões sexuais. Normas de género nocivas e extremismo impedem-nas por vezes de fazer o seu trabalho, como vimos no Afeganistão.

Solicitamos à Comissão que elabore, em cooperação com os Estados-Membros, uma estratégia de diplomacia humanitária e que trabalhe em estreita cooperação com as organizações locais, em especial com as organizações lideradas por mulheres, a fim de garantir a proteção dos civis e dos trabalhadores humanitários em situações de conflito.

O TRIPLO NEXO: DA TEORIA À PRÁTICA

Para garantir a prosperidade e o desenvolvimento a longo prazo das regiões afetadas por conflitos e catástrofes naturais, o triplo nexo – Ação Humanitária – Desenvolvimento – Paz – tem de se tornar uma realidade. É necessário investir no seu futuro, reforçando os esforços de paz da UE e o seu papel de agente de desenvolvimento internacional.

Gostaríamos de ver uma melhor inclusão da abordagem do triplo nexo em todas as políticas e estruturas e acreditamos que o Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional (IVCDCI) é perfeito para o pôr em prática. Ao aumentar a participação dos atores locais e ao disponibilizar mais fundos para apoiar a transição dos países da ajuda humanitária, podemos passar da teoria à realidade.

AUMENTAR O FINANCIAMENTO

No ano passado, apenas 56% das necessidades de financiamento foram satisfeitas. A situação é mais crítica nos países que foram afetados por décadas de conflitos e crises de deslocação, e que se tornaram crises esquecidas. Com o desenrolar de múltiplas crises, o défice de financiamento só irá aumentar nos próximos anos. É necessário:

– Reforçar o empenhamento dos doadores tradicionais. Apelamos à Comissão para que insista junto dos Estados-Membros para que respeitem os seus compromissos e não se limitem a afetar 0,7 do seu Rendimento Nacional Bruto (RNB) à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), mas garantam que 10% desse montante se destina à ajuda humanitária, sem comprometer o seu orçamento para o desenvolvimento. A solidariedade da UE não pode assentar apenas nos esforços de 6 Estados-Membros.

– A inclusão de intervenientes privados – em conformidade com o DIH, com total transparência e seguindo um controlo rigoroso – pode ajudar a reduzir o défice de financiamento.

– Considerar a utilização de instrumentos de financiamento alternativos para reduzir o défice de financiamento, como os direitos de saque especiais.

– Exortamos a Comissão a adotar uma abordagem mais harmonizada das crises esquecidas e honrar o seu compromisso de afetar 15% do seu orçamento humanitário anual a estas crises.

O mundo está a viver uma situação sem precedentes, marcada pela multiplicação e o prolongamento das crises. Os desafios são imensos e as pessoas estão a sofrer, não podemos deixar ninguém para trás.

Esperamos que este relatório seja útil para os doadores e decisores, bem como para os agentes de desenvolvimento, permitindo encontrar novas soluções em resposta à emergência humanitária mundial e garantir que os milhões de pessoas que necessitam de assistência humanitária em todo o mundo tenham uma oportunidade para um futuro melhor.

* Carlos Zorrinho é relator permanente do PE para a Ajuda Humanitária (S&D, PT)
* Mónica Silvana González, antiga relatora permanente do PE para a ajuda humanitária (S&D, ES)

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