Vagabundos da Modernidade
Vivemos tempos estranhos. Tempos fluidos, inconsequentes, pastosos. Estas expressões de desconforto vão pululando por todas as conversas e intoxicando os sonhos, os cenários e os projetos com fôlego e visão estratégica e que necessitam de horizonte e de referências para serem concretizados.
Pela sua profusão e pelas golfadas de construtos que borbulham nas nuvens de dados, a informação inunda o dia a dia, torna escasso o tempo para aprimorar o significado e torna-se muitas vezes ruido.
Em simultâneo os processos políticos, económicos e sociais emulam essa escassez de tempo, interpretam e validam com leveza crescente os dados e optam por se focarem nas nuvens de comunicação esparsa e de curto prazo, mais dirigidos à criação de perceções favoráveis aos interesses de quem espalha esses dados do que à fundamentação de decisões consistentes e transformadoras dos nossos modelos de vida em sociedade, adaptando-os aos desafios do clima, da demografia ou do conhecimento.
A dúvida já se colocou certamente a muitos dos que me leem. Que sentido faz projetar cenários e ações a médio e longo prazo, se no curto prazo tudo muda ao sabor de um “post” do Presidente dos Estados Unidos ou de um outro qualquer influenciador digital com peso global nas suas áreas de ação. O mesmo se aplica, com a devida correção de métricas, nos outros planos territoriais ou sectoriais.
Nas nuvens e com visibilidade reduzida estaremos condenados a navegar à vista ou a entregar o destino aos algoritmos? Ou para evitar isso, devemos ceder à tentação de “aterrar”, desligando da ambição de dar um contributo, por pequeno que seja, para melhorar o mundo, restringindo o dia a dia à sobrevivência no nosso espaço de proximidade?
Continuo a acreditar que os valores e o propósito são mais fortes que todas as meteorologias naturais ou artificiais e que como diz a sabedoria popular, depois da tempestade vem a bonança e devemos estar preparados para dar sentido à vida, quer faça sol, quer faça chuva.
Não aterrar significa continuar a voar, mas continuar a voar em horizontes cada vez mais pejados de bólides e outros artefactos implica usar todas as ferramentas de pilotagem, de entre as quais se destacam as mais recentes tecnologias de apoio à decisão e os modelos de linguagem gerados artificialmente.
Precisamos cada vez mais de conhecimentos científicos e práticos que nos permitam sobreviver na nebulosidade, e de ideias claras sobre o destino que prosseguimos, para não nos tornarmos vagabundos da modernidade.
Vivemos tempos estranhos, mas essa constatação não é motivo para desistir. É antes um motivo para porfiar, porque é quando o barro está informe e maleável que se pode moldar o que a necessidade ou a imaginação nos pedem ou inspiram. Continuemos a sonhar. Continuemos a voar. Continuemos a fazer acontecer.