A Substituição em Curso
Depois de Renaud Camus ter publicado em 2011 um livro intitulado “A Grande Substituição” em que explanava a possível existência de um plano para ir progressivamente tornando minoritária a população nativa europeia com a chegada de populações migrantes, muitos têm sido os líderes populistas e xenófobos que têm agitado a ideia para acicatar o medo e o ódio, sem qualquer evidência científica ou política de que esse plano alguma vez tenha existido.
É aliás a baixa taxa de natalidade dos nativos europeus, e as carências de recursos humanos em sectores chave da economia e da concretização das políticas sociais, que constituem o principal fator de atração migratória. O investimento em políticas de apoio à natalidade na União Europeia deve contar em pé de igualdade com outras políticas, para a contabilidade do esforço orçamental da parceria e dos seus membros em segurança e defesa, numa perspetiva humanista, de integração e promoção da paz.
Outras substituições são na minha opinião, mais preocupantes. Refiro-me em particular à substituição em curso, das redes de cooperação e apoio ao desenvolvimento, por redes digitais cada vez mais concentradas em alguns conglomerados empresariais, mais potentes e mais capazes de submeter a capacidade de escolha, a liberdade, a democracia e até os valores fundamentais de convivência nas sociedades humanas. Esta substituição tem sido a marca de água inspiradora das sucessivas ordens executivas emitidas pelo novo Presidente dos Estados Unidos da América.
A Aliança Atlântica é um importante fator de estabilização e equilíbrio geopolítico, mas nela a União Europeia (UE) tem que preservar os seus valores fundadores. Se os EUA estão a substituir a cidadania pelo poder das redes digitais e das empresas digitais, e se a China lhe segue os passos, a UE, sem deixar de apostar também nessas redes e áreas da economia e do conhecimento, deve cuidar também das redes de cooperação, desenvolvimento e ajuda humanitária, das organizações multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos acordos multilaterais como o Acordo de Paris.
Vivemos tempos de turbulência e forte incerteza. O tempo político e económico acelerou e as relações geopolíticas estão em permanente tensão e reajustamento. Em tempos como estes a melhor âncora são as convicções e os valores. As nossas convicções humanistas e o nosso apego aos valores da liberdade, da igualdade e da justiça social são os melhores aliados da União Europeia para sair mais forte da substituição em curso.