Artigos de Opinião

Neste espaço poderá encontrar os artigos que ao longo dos últimos anos foram sendo escritos por Carlos Zorrinho e publicados em diversos meios de comunicação social.

Estados Gerais

Em 1789, num momento de grande agitação social e política na sociedade francesa, Luís XVI convocou os Estados Gerais, que foram uma versão adaptada aos ares do tempo das tradicionais Cortes, e nos quais participaram os representantes do primeiro Estado, o alto-clero, do segundo Estado, a aristocracia e do terceiro Estado, a burguesia e todos os outros que tinham voz na sociedade de então.

O conclave gaulês não foi pacífico e desembocou na Revolução Francesa abrindo uma década turbulenta, mas profundamente transformadora, e que foi berço de valores e princípios que ainda hoje inspiram os ideais democráticos e o contraditório em torno deles.

Foi essa urgência de transformação, após um ciclo obreirista que se ia esgotando sob a batuta das maiorias absolutas da Cavaco Silva que inspirou António Guterres a lançar em 1995 os Estados Gerais para uma nova maioria, num debate político aberto à sociedade que o conduziu à vitória nas eleições de 1995 e a ser Primeiro-Ministro até 2002. A transformação induzida pelos Estados Gerais de 1995 deixou marcas indeléveis na concretização de uma agenda humanista e social com uma profundidade que Portugal não tinha conhecido antes e que nos seus traços mais fortes prevalece até hoje.

Num momento em que o Governo de Montenegro se atarefa a gerir a espuma dos dias, distribuindo saldos orçamentais sem que se veja com clareza o desígnio estratégico para o futuro do País, o anúncio feito por Pedro Nuno Santos, na rentrée socialista, de que vai convocar uns novos Estados Gerais após a discussão do Orçamento de Estado, constitui uma importante janela de oportunidade para lançar as sementes de um novo ciclo de transformação em Portugal.

Os tempos passam, mas os grandes desafios estruturais mantêm-se. A coesão territorial, a convergência das condições de vida com os padrões médios da União Europeia, o combate à desertificação do interior e a redução das desigualdades e a densificação da malha inovadora e empreendedora e produtiva estão entre eles.

Sem adulterar a matriz ideológica, existem hoje novas ferramentas de transformação ancorada na brutal transição tecnológica e digital e no seu impacto na sociedade que permitem novas formas de enfrentar os velhos desafios, num processo capaz de mobilizar a sociedade portuguesa, não apenas para votar, mas sobretudo para ser parte da conceção e da aplicação das políticas. É este o espírito dos Estados Gerais que espero que contamine outras forças políticas, para também fazerem a sua quota parte no trabalho de modernização estratégica e programática de que Portugal precisa.

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